Quando a gente
olha a vida das pessoas de fora, a gente acha que tudo caminha sempre bem.
Aquele ditado sobre a grama do vizinho ser sempre mais verde. Pensamos que eles
cumprem sempre prazos, são 24 horas e nos 7 dias da semana inteligentes,
carinhosos, simpáticos, como naquela fração de tempo em que convivemos com eles
e tivemos essa impressão. Um recorte de convivência que nos faz acreditar que a
versão estendida da vida daquela pessoa é uma réplica fiel do spoiler a que
tivemos acesso.
E por isso,
existem aqueles que pensam: como fulano consegue conciliar tantas tarefas, ser
tanta coisa e fazer com que tudo se encaixe?
"E eu, vivo aqui me equilibrando numa corda bamba, na maior parte do tempo sem muito sucesso, levando algumas quedas e precisando recomeçar?" |
Na verdade,
ninguém consegue dividir sua vida em faces equiláteras.
Existem aqueles que,
com cursos de gerenciamento de tempo e disciplina, aproximam-se desse patamar.
Mas, mesmo eles, são suscetíveis a uma variável independente que interfere e
relativiza tempo, disposição e espaço: as emoções.
A nossa humanidade, nossos
sentimentos, aquilo que compreende a impressão pessoal de cada um, é também um
lembrete perpétuo de que não existe equilíbrio perfeito na prática. Meu
terapeuta me disse isso uma vez, e por mais que tenha me doído um pouco
escutar, eu comecei a reparar nas pessoas, em suas vidas, e na minha própria
vida, para confirmar a validade da afirmação dele.
Existem fases,
momentos, e desequilíbrios. Estamos indo bem, acordando cedo, fazendo tudo como
planejamos, quando, de repente, algo acontece. Uma viagem, uma oportunidade que
muda tudo, uma fragilidade de saúde, um amor, uma perda, uma saudade. Seja qual
for a causa, a consequência é que novamente voltamos à estaca zero, e as coisas
desandam. Nossos tempos se ressignificam, nossas vontades se redirecionam,
nossos desejos se reformam. E de repente, aquela preguiça que achávamos ter nos
abandonado, volta no mesmo ócio procrastinador de outros tempos, para contestar
nossa comodidade e ousadia de achar que podemos mesmo ter controle da vida o
tempo todo.
E então, estamos
diante de outra chance de reconstruir: abandonar um hábito que nos incomodava,
adotar um novo que sempre desejamos ter. De um lado ou de outro, a realidade
não vai se desenhar sozinha. E, acredite, é um desenho trabalhoso e que demanda
dedicação.
Digo isso para
demonstrar que aquelas frases prontas carregam verdades tão profundas quanto
simples: o começo depende da vontade, enquanto a continuação depende da falta de
vontade sendo contestada continuamente. Porque, acredite, a indisposição vai
aparecer.
O que deve ser
maior é a sua lembrança da sua vontade, que supera essa centelha de obstáculo
interno ou qualquer outro que venha a aparecer. Quando um amigo me disse, no
começo de um dos meus projetos, quando eu estava bem empolgada, a frase:
“Guarde esse sentimento, e lembre dele”, eu pensei: “Claro que vou guardar, o
que ele está falando?!”.
Um tempo depois, eu percebi: aquele sentimento é a
lembrança que me faz continuar, toda vez que algum obstáculo bobo aparece, e
minha reação imediata parece sofrer de amnésia.
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