Semana passada, bati o carro. Fui a representante de um grupo grande
de pessoas que passam naquele cruzamento na rua de casa, onde não tem preferência,
e arriscam em cada uma das vezes colidir com outro carro, sempre imaginando que
não vai acontecer. Dessa vez, não escapei.
Ainda bem, o motorista do outro carro era, literalmente, um
motorista. O que permitiu que nos poucos segundos durante a batida, ele pudesse refletir, e desviar
da porta dianteira do meu lado do carro, batendo um pouco mais atrás – o que me
fez sair ilesa. A colisão foi forte, meu carro virou 45 graus e ainda deu tempo
de colidir numa bicicleta encostada em uma das esquinas. O ciclista teve um arranhão
e uma ronxa na perna, mas mesmo assim foi levado pela SAMU.
Uma história que
dos finais possíveis, teve um final feliz. Eu assumi a culpa, meu seguro vai
cobrir os dois carros, e os galões de água da bicicleta – ele era entregador de
água mineral.
Mas, fora o fato evidentemente cotidiano, o que eu percebi? Dessa vez
como participante, aprendi que a confiança e o hábito, bem como as probabilidades
de acidentes acontecerem, não podem ser usados como desculpa pra imprudência e
irresponsabilidade. Coloco minha cara a tapa, assumindo um erro que cometi, pra
refletir sobre a realidade dos acidentes de trânsito e o que eles podem nos
ensinar a respeito da sociedade brasileira.
A primeira coisa que percebi foi que nunca sabemos o que
esperar do outro, esse receio generalizado sobre a atitude alheia e como nos
espelhamos nela pra reagir.
No momento em que
desci do carro, esperava muitas reações do motorista e nenhuma delas veio, a
não ser o receio estampado a respeito da minha atitude. Eu era a errada, a situação
dependia de como eu lidaria com ela. Não assumindo o erro, um conjunto de discussões
se iniciariam, tendo como palco participante toda a comunidade vizinha. Como eu
assumi o erro, a postura do outro motorista se tornou relaxada e
confiante - na medida do possível. A partir de então, uma situação que
tinha tudo pra ser extremamente desagradável conseguiu se tornar um convívio amigável
entre estranhos metidos numa relação a qual não escolheram participar.
Todos os porteiros, secretárias, e transeuntes de repente não tinham
nada a fazer a não ser olhar o que estava acontecendo, e em muitos casos se
meterem na situação. De repente, o acidente foi inundado com advogados
frustrados, médicos de boteco e delegados sem patente. Diversos indivíduos queriam
se meter na situação para resolver de alguma forma. Telefonando pra SAMU,
oferecendo conforto e um copo de água, sendo agressivos, outros mais distantes
zombando de toda e qualquer atitude dos envolvidos.
Dessa realidade vem a terceira coisa que aprendi, que uma comunidade recém – criada em um momento específico, contendo cerca 50 pessoas, reflete o comportamento de toda uma sociedade. Cada um dos personagens socialmente reconhecidos estava ali representado em algum dos envolvidos ou curiosos.
A quarta triste realidade foi quão decepcionante pode ser o serviço
público quando precisamos dele, já que esperamos pela CTTU por duas horas antes
de desistir e tentar a segunda opção: fazer um Boletim de Ocorrência na
Delegacia. A SAMU chegou, 50 minutos depois, tempo suficiente para o ciclista
ter tido uma parada cardíaca. Graças ao nosso bom Deus, os ferimentos foram
leves.
Tem que ter paciência, melhor esperar sentado. |
Dispensa legendas, né? |
A sexta realidade, também decepcionante, percebi já na
delegacia. Percebi o espanto do policial com a minha atitude, de não apenas ter
assumido meu erro como também ter me disponibilizado para ir à delegacia fazer
o BO. Pelo menos ela veio aqui, ele disse pro outro motorista. Fiquei
pensando em quantas vezes e quantas pessoas sofrem acidentes de carro no trânsito, dos quais não são culpadas, não possuem condições de arcar com o prejuízo
e tem a vida toda atrapalhada por uma irresponsabilidade que não foi sua. O espanto do policial muito evidencia a baixa
porcentagem de pessoas que assumem o erro que cometem, em âmbito geral. - Uma sociedade acostumada à impunidade.
Aprendi também algumas pequenas lições, das quais merece menção
o valor de um amigo do seu lado, apoiando e sendo um terreno conhecido no meio
de uma situação desconhecida. E, definitivamente, aprendi que o melhor a fazer é mesmo optar pela direção – e atitude - defensiva, porque a sorte que eu tive
de lidar com uma situação desagradável de forma positiva é definitivamente uma exceção.
E a sociedade insiste em reclamar dos grandes eventos,
quando aqueles são muitas vezes apenas uma amplificação do que acontece
diariamente, embaixo de seus próprios narizes.
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