3 de ago. de 2009

Olhar de novo

Quando me diziam pra olhar duas vezes, eu achava ter entendido. Não, você nunca entende o suficiente até viver o que você tinha apenas ouvido. Porque um conselho dito soa aos ouvinte como uma história distante, passada em um lugar longíquo, nem de perto possível de acontecer a ele. Sim, o ouvinte escuta, entende, reflete, mas esquece. Se não fosse assim, os erros não se repetiriam. Ah, às vezes penso que deveria voltar e refazer alguns capítulos da minha vida. Mas aí eu me lembro que nada mudaria. Porque eu seria a mesma, não poderia voltar sendo quem eu sou hoje. De que adiantaria? Então, cada vez que eu penso nisso, acredito e vou dormir certa de que ouvirei melhor o conselho da próxima vez. O problema é que a próxima vez chega como uma intrusa, sem ser convidada e talvez sem ser notada. E quando você vê, ela está sentada no sofá, com as pernas esticadas, vendo tv e tomando o seu suco favorito. A próxima vez acontece, e você só se dá conta quando ela já terminou. Por isso que dizem que se conselho fosse bom, ninguém dava. As pessoas que aconselham, normalmente, identificaram algumas situações enquanto aconteciam. E relembraram aquela história, que tinham decerto ouvido antes, sobre Maria caminhando na estrada, e sobre os erros de Maria enquanto isso. Utilizando-se dessa lembrança, dessa vaga e fina tira de memória recortada, agem diferente de Maria. Mas a maioria nem lembra da Maria, pobre Maria.
O relógio passa, os ponteiros avançam, mas a Maria só é lembrada depois que o sino toca meia-noite. E à meia-noite as atitudes do meio dia já são lembranças. Recortadas e guardadas do lado das outras. O que fazer quando as lembranças estão vivas, mas as atitudes, mortas? Porque já foram, e não podem ser mais. É preciso conviver, reviver, e aceitar o passado morto.
É por isso, somente por isso, que reforço o conselho: olhe várias vezes. De novo e de novo. E tente enxergar se aquela ponte não é ilusão, se é segura. Se aquele pedaço de madeira é seco, se não vai lhe queimar. Se não existe um pedaço de vidro no chão, que possa lhe machucar. Olhe quantas vezes for necessário. Ah, mas isso é um conselho. Ficará ele perdido dentre todos os outros? Não cabe a mim saber ou dizer o que vai acontecer. Mas, uma vez minha visão tendo sido enganosa, eu prefiro avisar. Porque isso me priva de qualquer culpa. Não na minha vida, porque nela e sobre ela eu sou a única responsável. Mas pelo menos, que isso sirva pra vida de alguém. Pode ser você, ou ninguém.
Não apenas olhe. Mas escute, escute dez vezes mais do que você possa. E sempre que quiser falar, cale. Cale. Porque esse desejo inominado e amorfo é às vezes tão nocivo quanto diversas chibatadas. Porque o efeito de suas palavras vai muito além daquele que você deseja causar. A palavra, a sua palavra, uma vez dita, voa através do vento, e pode atingir lugares e pessoas que você nem imagina. Por isso, entenda, tente entender. Nada é por acaso. Esse clichê serve pra explicar, pra explicar que é por isso que temos sentidos. Audição, tato, paladar, visão. São todos sentidos que vêm de fora pra dentro. Você já parou pra pensar nisso? E a palavra? É uma força que nos foi dada, e o seu efeito é tão poderoso que, mesmo que você junte todos os outros sentidos, não vai conseguir compensar a sua força. Porque a palavra sai de você. É de dentro pra fora. Você é o ponto de partida de todos os fonemas que saírem da sua boca. Todos os sons, palavras, mas também dos seus efeitos. Algum dia todos entenderão, quem sabe, mas sempre nascerão outros que precisarão entender. Contudo, você, o que você faria? Aliás, o que você vai fazer? Se você pode escolher entre ouvir um conselho ou deixar que Maria tenha errado em vão, o que você vai fazer?

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