Parou
na lembrança de seu penúltimo aniversário, quando completara 25 anos. “Eu tinha
ido trabalhar somente pela manhã, planejava encontrar meu namorado para o
almoço e dali iríamos para a casa de uns amigos na serra, comemorar no fim de semana.
Lembro de como estava frio e como o clima estava agradável na viagem, e de como
eu tinha achado estranho aquela quantidade de carros estacionada no condomínio,
para uma noite de sexta-feira, num final de semana comum. E como de repente
saíram pessoas de todos os lados, assim que desci do carro, gritando surpresa e
me abraçando, era minha primeira festa surpresa. Mas a maior delas viria no
final da noite, quando inesperadamente meu namorado na época me pediu em
casamento. A única lembrança que tenho foi que chorei e balancei positivamente
a cabeça, um dos poucos momentos na vida em que perdi a fala..”
Abriu
os olhos e viu que já havia escurecido. Levantou-se, foi comer alguma coisa e
deitar-se. O dia seguinte prometia ser cheio.
Seis horas
da manhã, sabia que o primeiro convidado chegaria logo. Um a um, diversos
carros foram chegando, de amigos que iriam ficar hospedados na sua casa ou em
algum hotel próximo, todos aqueles que haviam povoado suas lembranças do dia
anterior. Seus pais, amigos de infância, de faculdade, familiares, ao final da
tarde todos já haviam chegado. Estava se arrumando no quarto, sua mãe estava no
quarto ao seu lado, conversando sobre trivialidades. Quando ficou pronta, saiu
do quarto e viu que ele estava a sua espera. Sorriam um pro outro, abraçaram-se
enquanto ele dizia em seu ouvido: está pronta para sua última noite de
solteira?
O
jantar estava na mesa e todos estavam esperando que os dois descessem. Não
conseguia conter a alegria de ter conseguido reunir tantas pessoas especiais
para ela e seu noivo, e de saber que casaria assim que o sol nascesse. Quando o
jantar terminou, ela se levantou e pediu pra falar:
- Hoje eu vou falar, ao contrário do dia do nosso noivado. Mas vou ser breve,
porque não quero perder um minuto a mais da companhia de todos vocês, aqui
presentes. Então, além de agradecer por terem vindo, quero agradecer por terem
feito e ainda estarem fazendo parte da minha, da nossa vida. Amanhã vou me
casar e dividir a vida com o homem que eu escolhi, e a alegria que isso me traz
só não ganha de uma. A de ver todos vocês e poder olhar pra trás, as lembranças
que temos, e também imaginar que teremos muitas outras. Querido, me desculpe,
mas a verdade é que, a partir de amanhã você vai ter um grande pedaço do meu
amor, mas vai ter que se acostumar a dividi-lo com todas as outras pessoas da
minha vida. Eu não seria nada se qualquer um de vocês estivesse faltando.
Obrigada!
Outra festa, estava
deslumbrante e radiante, distribuindo alegria e obrigadas ao ouvir os elogios
quando passava. Era a sua formatura na faculdade, finalmente. “Fiz questão de
tirar uma foto com cada um deles, ouvir o que tinham a dizer, fazer novos
planos e brindar à antigas e futuras conquistas, abraçar meus pais e familiares
que estavam presentes, e agradecer a todos pelo apoio e por terem acreditado em
mim. Poucos momentos na vida são mais emocionantes do que o fim de um sonho,
porque dão espaço para o surgimento de outros - foi assim que terminei o meu
discurso de oradora da turma. Fui aplaudida pelos meus professores, os já
antigos colegas de faculdade, e todos que estavam presentes.”
Respirou fundo depois
dessa última recordação. Olhos marejados de lágrimas, pensou em dar uma pausa e
mergulhar no mar. A água gelada acalmaria seus pensamentos e as batidas de seu
coração, o mar transportaria para seu corpo a calma que emitia, e aos poucos
foi ficando mais leve. Olhou pra cima e deixou que o sol queimasse seu rosto,
agora sem protetor solar como usava na infância, e sorriu sentindo-se completa
e tranqüila. Olhou à sua volta para confirmar que estava sozinha, mas tão acompanhada
de memórias e sensações que parecia estar rodeada por todos os quais lembrava.
Em breve estarei, pensou. Saiu do mar, sentindo aquele cheiro de sal de sua
infância, mas dessa vez não se encaminhou para um chuveiro. Continuou sentindo
aquele cheiro e percebendo como grandes lembranças suas estavam associadas ao
sol, ao mar, ao verão.
Viu-se primeiro em uma
praia familiar, onde havia passado um carnaval rodeada de amigos, ainda jovens
e acompanhados de sentimentos de cumplicidade, reciprocidade, amizade..
Foram confidências
sinceras, brigas genuínas, raivas descontroladas e brincadeiras inconseqüentes,
envolvidos em uma ausência de medo, vergonhas, julgamentos e intolerâncias,
onde cada um pudera revelar-se a si mesmo, para si e para os outros, e de onde
cada um saiu com a certeza de que raras seriam as chances de repetir a
experiência, permitindo-se uma confiança cega e uma compreensão desmedida.
Outros momentos como esse vieram à cabeça, com amigos de outras épocas, de
diversos lugares e momentos, os quais pareciam ser eternos enquanto vividos..
Perdeu-se em
lembranças desses pedaços de memórias, lembrou das fotos tiradas e das noites
mal dormidas, das bebedeiras e das ressacas incuráveis, dos arranhões e quedas,
das dores de garganta e febres, das inúmeras piadas contadas e que se perderam,
das brincadeiras de criança que se transformaram em diversões de adultos, dos
filmes assistidos e das historias inventadas, as viagens planejadas que davam certo
ou nem tanto, os sonhos abandonados no meio do caminho..
Lembrou de seus pais e
de como ouviam cada um de seus sonhos como se fosse o primeiro, e de como eram
pacientes por ouvir, ouvir, ouvir.. E de quantas vezes tinha chorado, por
qualquer motivo que fosse. Mas entre todos, o mais presente dos motivos havia
sido o coração partido. Quantas vezes? Do primeiro beijo ao último que havia
dado, perdera as contas dos amores e desamores que teve, correu pelos seus
olhos a imagem de alguns deles, tão diferentes e distantes que lhe pareciam,
alguns já não lembrava..
Algumas horas
mudam seu destino por completo. Ontem você viajaria para passar um tempo fora,
hoje você vai ficar com sua família enquanto faz planos de virada de ano.
Amanhã você começa num emprego novo, depois de uma semana aparece uma promoção
pra conhecer aquele lugar que você sempre quis. Não existem certezas que durem
mais do que alguns segundos, e quando existem, é porque foram renovadas. E você
pode sentir o que quiser, não vai ser capaz de alterar essa (in)felicidade.
A cada batida
do relógio, a cada nova sombra e reflexo no mar, o que era pra ser, se torna
passado precoce, e o que foi se torna uma memória distante. Ou vice e versa, ou
ambos. O ponto de partida pra olhar essa cartela de possibilidades é ter em
mente que a sua cor preferida também pode deixar de ser azul. E um dia o verde
vai lhe parecer tão certo quanto sua vontade de ser astronauta na infância.
Digo isso porque ando reparando nos caminhos, meus e de outros, os que tomei,
tomaram no meu lugar, tomamos juntos ou separamo-nos por escolhas que nos
parecem certas.
Não sei se você
já viu Fringe,
um seriado de ficção científica que eu particularmente adoro. Nele, um
cientista com um QI próximo de 200, que ficou internado no sanatório por 17
anos de sua vida, passa a ajudar o FBI a resolver casos cheios de coisas
fantásticas, associados ao que ficou chamado de o Padrão. Aparentemente um
grupo chamado ZFT| pretende usar a tecnologia pra levar o mundo ao fim como se
conhece, nisso se misturam vírus da gripe gigantes, mutações genéticas,
alterações cerebrais, catalizadores de crescimento de tecidos cutâneos, enfim.
Em alguns episódios, o cientista cujo nome é Walter Bishop, explica a uma
agente do FBI, Olivia Dunham, sobre os universos paralelos. E ele explica que,
do mesmo modo que nosso mundo tal como conhecemos e se nos apresenta, existem
outros, nos quais um alguém muito semelhante a nós mesmos vive, também, mas
baseado em outras escolhas que tomamos. Associado a esse evento, está o
conhecido Dèja Vu, que segundo ele
nada mais é do que um flash do que vivemos em outra realidade, que se confunde
com a nossa por alguns segundos nos quais compartilhamos algum pedaço de
consciência. Já imaginou se isso acontecesse com todo mundo? Se fosse uma
capacidade acessível? Como comprar uma TV nova? Existem muitos mistérios que,
por mais que sejam resolvidos, nunca chegarão ao nosso conhecimento. Por isso,
não duvido daquilo que não conheço. Em breve o homem vai poder visitar a Lua, digirir
carros voadores e sabe-se o quê mais neste século.
Penso como as
pessoas viveriam se tivesse a oportunidade de saber o fim de suas escolhas, a
que cada uma delas levaria. Seria mais fácil decidir, e provavelmente por esse
motivo não temos acesso a essa informação. Quem quiser viver, que fique
prevenido que o caminho é sinuoso. Já nascemos chorando, será que não existe
alguma simbologia nesse ato?
Qual caminho você escolheu, e qual você escolheria se soubesse o que está no fim?
Não sou muito
fã da psicanálise como já fui enquanto estudante de psicologia, mas Freud tem
uma frase que me faz continuar admirando sua inteligência, despite all his
limitations. Ele diz algo como a vida ser um conjunto de pequenas felicidades.
Vivemos em busca delas. Afinal, que vida chata seria aquela onde todo mundo ri
em uníssono, initerruptamente, não? Mesmice nunca é boa, mesmo sendo boa, né?
O que eu sei é
que se existe um sentimento que muitos compartilham, e faz parte daquela
numerosa lista de fragilidades que são escondidas atrás de uma porta sem graça,
muito bem trancada e cuja chave fica pendurada no pescoço do dono, é a
insegurança, o medo do desconhecido, e principalmente, o receio diante das escolhas.
Muitos só abrem a porta a partir do momento que tomam uma decisão, e nesse
momento esvaem-se todos os pensamentos negativos e degenerativos, afinal,
resolveu-se a questão do desconhecido! Pode abrir tudo, não há mais nada a
temer.
Ledo engano,
meus caros. O desconhecido não é o palhaço que você tinha medo quando criança,
nem a montanha russa que você jurou nunca andar e viu quão boba era depois que
sentou nela pela primeira vez. Ele é um vírus. Tal como o HIV, transforma-se
constantemente, sofre mutações consecutivas cujo objetivo é o de não conseguir
ser compreendido. Sem compreensão, não há cura. Exatamente por isso, o máximo
que se pode conseguir diante dele é um coquetel que diminua seu avanço ou
desagrave suas consequências, tal como o AZT. Percebe?
Por isso, uma
coisa que os pais não costumam dizer pros filhos, quando crianças, é que o hapily ever after dos filmes não bate
com a prática. Melhor seria o to be
continued, afinal nada termina antes que termine de uma vez por todas. No
nosso caso, começo e fim compartilham uma função fisiológica comum: respirar.
Sim, há milhares de variações, mas convergem no fato de ser o mesmo resultado
para todos. Entre os dois pontos dessa linha do tempo, não há felicidade
permanente nem nada sequer que dure, porque nem mesmo tal linha consegue ser
reta, sem dobradiças, quebras de espaço ou negrito aqui e acolá.
Com tantas
incertezas, a certeza da inconstância esperava ser bem recebida. Pena que
apegamo-nos a pequenos pedaços do que vivemos, e agimos mais uma vez como se
fosse nosso primeiro ursinho de pelúcia ou carrinho de brinquedo. Talvez a
filosofia do desapego queira, por fim, libertar as pessoas para que vivam temendo
as coisas certas, ou não temendo coisa alguma.
Movimentos à
parte, o meu humilde ensinamento de hoje é inspirado em palavras de um amigo
querido. Inquieta como sou, usei o que me disse pra causar uma revolução:
peguei a chave e abri a porta, mas ainda não tomei nenhuma decisão. Afinal, se
é pra viver de verdade e a chance é única, que seja com medo, insegura, acostumada
à inconstância e compartilhando meus ursos e sorvetes. É um risco, me dá frio
na barriga como se eu tivesse prestes a pular de bungee jump numa altura de 500
metros. Contudo, posso garantir que a minha casa está mais iluminada, porque
agora todas as janelas estão abertas, o vento pode circular e o sol bate forte,
refletindo no chão de madeira as sombras daquela porta outrora fechada, avisando
que mais um dia vai começar.
"Eu tinha acordado ansiosa, era
meu primeiro dia de aulas na turma da manhã. Minhas amigas também iam mudar
junto comigo, mas mesmo assim me tremia da cabeça aos pés quando entrei no
chuveiro, apesar da água quente. Troquei de roupa e coloquei a farda nova, a
barriga fazia reviravoltas. Desisti da ideia de comer qualquer coisa que fosse,
queria chegar logo e olhar logo pros meus novos coleguinhas de sala. Botei os
pés no colégio, que eu já conhecia, mas parecia estar vendo pela primeira vez.
Fui andando rápido porque não aguentava a ideia de esperar mais um minuto
sequer. Subi as escadas distraída, olhando para baixo, envergonhada e
assustada, inquieta. Pelo menos sabia que minhas amigas deviam ter me ligado e
estariam a minha espera na sala, algo conhecido pra eu me apoiar. Lembro que eu
tinha 9 anos, e enfrentar pessoas desconhecidas era uma ideia tão assustadora,
hoje sinto vontade de rir. Não precisei procurar muito pela sala, porque sabia
onde era. Fui em direção a ela olhando pra cima somente pra evitar bater em
algo ou alguém, e foi em uma dessas vezes que eu levantei os olhos e não
consegui mais abaixar. Ele tinha olhado de relance pra mim, sorriu de uma
orelha a outra e entrou em uma das salas. Fui andando devagar com o meu coração
batendo forte, até perceber que aquela seria a minha sala, também. Olhei dentro
da sala em busca, não mais das minhas amigas, mas daquele menino que havia
visto há pouco. Lá estava ele, rodeado de mais alguns meninos, soltando
brincadeiras e despertando gargalhadas. Das brincadeiras eu já esqueci, mas do
sorriso lembro até hoje.."
De repente se viu em outro lugar,
alguns anos dali. Tinha 12 anos agora e estava em uma festa, em outra cidade,
visitando parentes.
`O nome dele era Vinicius, eu o havia
conhecido há apenas quinze dias. Estava passando férias e fui apresentada a ele
por uma de minhas primas. Ele era alto, magro, queimado de sol, cabelo
arrumadinho de cdf e agia como se fosse um príncipe a ser descoberto, um
daqueles que tinha sido tirado do trono quando criança. Era educado e
atencioso, charmoso e envolvente, eu simplesmente perdi o fôlego quando o vi
pela primeira vez. Desde então, eu passei todas as noites seguintes com uma
foto dele por perto, que eu olhava sempre antes de dormir, enquanto ouvia Kiss
Me. Minha amiga já não aguentava mais ver me pagando aquele papelão, me chamava
de abestalhada apaixonada, mas deitava na cama e cantava comigo, duas
adolescentes sonhadoras que nunca tinham beijado ninguém. Naquela noite da
festa, eu havia me arrumado cuidadosamente porque sabia que iria vê-lo, e
estava nervosa somente por essa perspectiva. Não demorou para que nos
encontrássemos - a essa altura todo mundo já sabia da minha queda por ele – e
um amigo chegasse pra ele dizendo: Vinicius, olha só quem esta aqui. Ele veio
na minha direção andando devagar, eu me senti como se tivesse em um daqueles
filmes em câmera lenta, aquele sorriso direcionado a mim, não sabia se sorria
ou se ficava quieta, ou tentava me acalmar, ou não fazia nada. A próxima coisa
que eu lembro, uma sensação de estar flutuando, imagens de nuvens no ceu
apresentavam-se diante de meus olhos fechados, meu coração quase saindo pela
boca e uma paz interior tão grande que não combinava com meu estado de êxtase.
Quando abri os olhos, olhei pros dele na tentativa de guardá-los na memória,
tão próximos que estavam de mim, e sorri."