Escrevi esse conto com uma finalidade, mas acabei deixando passar a mesma. Mesmo assim, resolvi compartilhar, inaugurando a sessão contos aqui no blog.
Como ele é grande, vou fazê-lo em partes..
Saudosidades -
Parte 1
Era uma manhã clara, sem vento, e o sol estava forte. Levantei
preguiçosa, abri a porta do quarto e fui olhar o mar. Sorri pensando no
dia anterior, quando tinha ido à praia com minha família pela última vez
naquelas férias. Adorava o verão, principalmente nas férias de janeiro.
"Todo ano íamos para a casa de praia, e eu me perdia nos dias
ensolarados, tomando banho de mar e ficando com aquele cheiro salgado, que
me agoniava, e me fazia ter vontade de um banho no chuveiro. O cheiro do protetor solar, as brincadeiras na areia com meus
coleguinhas da escola, os dias em que eu era uma
pirata ou uma princesa. Os dias em que eu corria desesperada, com medo que
meu colega me alcançasse e dissesse: te peguei! Odiava brincar de esconde
esconde e pega pega. Morria de medo de ser pega e ficava tão ansiosa que
preferia ser a pessoa que ia
procurar pelos outros, a me esconder. A tensão era enorme, a agonia de ser
descoberta e perder toda a graça.
Lembro dos dias em que ia com minha
mãe na minha barraca de praia favorita, era pequena, comparo hoje ao tamanho de
um contêiner, e toda amarela. Tinha o nome pintado de tinta marrom, e ficava
numa esquina onde a rua encontrava a praia,
uma das ruas sem saída da praia da minha infância.
uma das ruas sem saída da praia da minha infância.
Sorria pensando no peixe frito que eu comia todas as vezes que ia nesse
lugar,e sabendo também que as ondas do mar estariam ali, me esperando. Ficava a
poucos metros da minha casa, podíamos ir andando. Porque as ondas perto da
minha casa eram muito fortes e o mar era muito perigoso para uma menina tão
pequena como eu, e por isso minha mãe inventou o peixe frito na barraca mais na frente. O mar por lá era
mais calmo e eu podia brincar de flutuar nas ondas, com minhas amigas de
prédio, que sempre iam comigo. Ou então com minha mãe, ou com meus tios..
Meu pai nunca ia pra praia, não podia tomar sol. Ficava em casa esperando a gente voltar, tomando uma pinga com os amigos,
fazendo aquele churrasco cheiroso, ou então comendo caranguejo. Eu adorava comer
caranguejo, especialmente porque eu nunca precisava ter todo o trabalho de
quebrar as patinhas, meus pais faziam isso por mim,e me davam o melhor pedaço, aquela
pata grande, super gostosa, que eu comia numa dentada e saía toda feliz,
correndo e pulando pela casa pra brincar de novo."
Sorriu ao terminar de escrever essas lembranças, tão frescas que se
apresentaram, mesmo que houvessem sido há tanto tempo. Estava acordando quando
olhou pro ceu e lembrou daquele último dia de férias, há alguns verões
atrás.
Duas décadas, para ser exata. Levantou e foi tomar café.
"O café estava amargo quando dei o primeiro gole. Peguei o adoçante
e pus mais algumas gotas, enquanto eles falavam sobre os planos de futuro de
cada um. Estava sentada com alguns de meus amigos, na casa de um deles, em uma
daquelas noites do fim de semana que ninguém quer sair, ninguém quer festa, mas
todo mundo quer companhia. Não nos víamos como antes, quando éramos todos do
mesmo colégio, e agora as reuniões eram escassas, quase ausentes.
Compartilháramos sonhos e sufocos, momentos de angústia, estudamos juntos por muitas
madrugadas, e todas essas estórias que ficam intocadas eram sempre lembradas,
de uma forma ou de outra. Fiquei sentada tomando meu café paulatinamente,
observando e escutando quando dizíamos quais os nossos maiores medos e desejos,
agora jovens adultos. As risadas eram tão coordenadas, e a cumplicidade
tão ritmada, que esquecemos do que estava ao nosso redor. Voltamos ao tempo quando já era manhã, e o sol entrava pela janela."
tão ritmada, que esquecemos do que estava ao nosso redor. Voltamos ao tempo quando já era manhã, e o sol entrava pela janela."
Estava acordada há uma hora e não conseguia parar de lembrar, ao acaso. Sabia
que isso iria acontecer, conhecia a si mesma, essa nostalgia saudosa era
inevitável diante das circunstâncias.
Havia contudo esquecido quando tinha sido a última vez que tinha dado vazão a seus pensamentos, para que corressem descompassados e
desordenados, fossem a lugares não programados, trouxessem à tona medos e
saudades de que não lembrava ou ousava recordar.
Deixou a ideia da ausência percorrer seu corpo, respirou fundo e decidiu que hoje não pensaria em pensar. Seguiu em direção à varanda, olhando para o chão de madeira, sentindo-se acanhada diante do porvir..

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