3 de out. de 2011

Nossos antepassados estavam errados?

Todos que escrevem tiram inspiração de algum lugar. Dos amigos, das noites de conversa, dos relacionamentos, da televisão, de filmes, da vida alheia ou da própria. 
A mim, inspiram todos os citados. Porém, as palavras sobre este ou aquele saem mais coordenadas quando escrevo fisicamente cansada. Inebria-me o cansaço. E dele retiro palavras e coordeno pensamentos, sobre os quais em pleno vapor não tenho controle.

Hoje, inebriada como estou, venho escrever sobre uma teoria que ousei confabular ultimamente. 

Não procurei saber se existe algo ou alguém que fale, como aqui vos falo, porque pra mim o conhecimento amplia o saber, mas limita de certa forma a criatividade. Sim, a mente criativa precisa ser livre, sem restrições e regras a obedecer!


Venho falar do preconceito. Não para julgar ou dizer-lhes sobre certo e errado, ou sobre condutas aceitáveis, nem para pregação qualquer. 
Parando pra pensar, percebi que existe uma diferença interessante sobre onde e como o preconceito se manifesta hoje, do que ele era antigamente. Por antigamente, me refiro à épocas anteriores à Revolução Industrial, à globalização e a toda essa gama de compartilhamentos e divisões que presenciamos hoje.


Luis XIV, rei sol francês 
Cena onde Luis XIV dança com sua noiva austríaca, Maria Antonieta, cujo nome entitula o filme

Sim, na época em que havia reis em quantidade significativa, onde as pessoas matavam usando espadas, traição era motivo de enforcamento, as guerras tinham propósitos que podiam não ser nobres, mas cujos guerreiros acreditavam e honravam com a vida. Onde os casamentos deveriam ser para sempre, filhos viviam sob olhar atento e cuidadoso dos pais, e recebiam ensinamentos na mesa de refeições - tanto mais cedo, melhor. Meninos de 16 anos eram guerreiros, e meninas da mesma idade eram esposas. Temia-se uma infecção como se teme hoje a AIDS, a morte era uma sombra que acompanhava todos a todo momento, e os amores eram intensos e quentes. Havia adultério, venerava-se o sexo e a bebida depois de uma batalha, as mulheres tinham menos direitos e deveriam servir aos maridos. Uma época em que uma conduta deveria ser seguida, sem questionamentos, e revoltosos eram punidos, também sem questionamentos. Tempos sobre os quais se faz necessário ler a respeito, e ver filmes que nos façam crer no que vemos, onde os valores como a honra e o respeito eram fortes e soberanos, e um rei não era questionado. Decerto, tempos imperfeitos.. 




Mas, relembrando a mensagem do filme de Woody Allen, Meia noite em Paris, os tempos nunca são perfeitos. Verdadeira a afirmação, que os personagens do filme vivem em nostalgia otimista, com recheio de realidade pessimista. Perfeito, somente aquilo que não podemos possuir e não nos cabe.
Pois bem, nessa época sombria da qual os livros resumem a guerras e (r)evolução, já havia preconceito. Um preconceito escancarado, quase sinônimo de hipocrisia, visto que quase nenhum desvio de conduta era aceito, pelo menos oficialmente. Por ser tão simples o caminho certo a se seguir, pode-se pensar quão honrosos e honestos foram os nossos antepassados.. a armadilha da nostalgia. Sem me ater a elogios ou críticas, ouso afirmar que, bons ou ruins, eles eram mestres em uma coisa: ouvir seus desejos, seu coração, seus instintos e sua própria expêriencia. Por isso, esposas desonravam maridos, amigos matavam-se em batalha, irmãos depunham pais do trono, variações do que se vê hoje, e do que se vê em qualquer tempo. O que mudava, era o tal do preconceito. 

Quase tudo concebido como regra, um desvio era erro terrível. Ficava fácil cometer um destes erros, enquadrando-se assim no grupo dos errantes, e talvez até pecadores. Citei apenas poucos erros, mas existem muitos outros. Porém, nessa sociedade onde muito se proibia, as pessoas que quebravam as regras (na surdina) sentiam-se menos culpadas, menos psicologicamente afetadas, em suma, eram bem resolvidas. Sabiam o que queriam e faziam como queriam. Suas vontades eram atendidas, e o preconceito era parte integrante, oxigênio que todos respiravam, mas com a diferença de ser externo a eles. Rondava a todos, mas não era uma praga tal como a gripe espanhola. Absorviam culpa ou reprimiam intenções, apenas os que queriam, de resto, sabiam agir e responder por seus atos. Se não de espontânea vontade, de uma forma ou de outra, vinham a pagar por eles.

Hoje, o que mudou? O preconceito que circulava nos ares da sociedade, inebriando a um ou outro pelo caminho, entrou na cabeça de todos. Assim, não se assemelha mais a uma droga, cujo efeito pode ser forte, talvez irreversível, porem em sua maioria, temporário. 
Não, nada de temporariedade, o pre-conceito, os julgamentos de valor, a incompreensão e variações destes passaram a ocupar grande parte do pensamento da sociedade contemporânea. Ou, como diria Zigmunt Bauman, da Modernidade Líquida. Como tudo que não tem forma, nem cor, e muda constantemente para se adaptar, os descendentes daqueles antepassados apegaram-se ao que lhes é externo, sem saber (nem perceber) que não conseguirão fugir do que os assombra: o medo de ser julgado, a vontade de julgar, a vergonha de assumir seus desejos, suas vontades, de seguir seus instintos, a falta de coragem de enfrentar as consequências de seus atos, todos esses fantasmas estão infiltrados no imaginário da humanidade ocidental. Tal como o inconsciente coletivo de Jung, atormentam e impedem que possam ser originalmente felizes, ainda que sob risco de comportamentos inadequados. 

O que eu quero dizer, aonde eu quero chegar? Na ideia de que o que antes era exterior, e por isso controlável, tornou-se interior a (quase) todos.. Portanto, a concepção de fugir dessa epidemia de preconceitos tornou-se dado, desafiador e ato de coragem dos que o fazem. Seguir a maré hoje, apesar das liberdades conquistadas, virou regra mais imponente do que quando não se tinha tanta opção de escolha. 
Constatação contraditória, como tantas outras, e pelo menos aqui, sem intenção nenhuma a não ser a de despertar a reflexão.

Dizemo-nos mensageiros do novo mundo, um mundo de iguais e livres, felizes plenos e saciados nos desejos terrenos. Uma Utopia digna de Thomas Morus, e talvez mais hipócrita do que nos tempos em que as pessoas sabiam-se diferentes, infelizes, tinham medos maiores e morriam do que hoje deixa-nos de cama por dois dias.. 



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